12 abril, 2017

Perdoando Deus






Parece ser tão absurdo  este título: Perdoando Deus. O que Clarice quer dizer com isso? ou seria uma ironia? ou simplesmente um retalho de sua fé judaica estropiada?


Temos uma mulher que caminha despreocupada por Copacabana, olhando cada passante e cada objeto da paisagem, quando é tomada por uma amor imenso, um amor que alcançaria até mesmo Deus. Este amor maternal pelo mundo vai intensificando sua liberdade rara.



Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe



Nesse êxtase, ela é atingida por um de seus maiores medos - ratos. Ela vê um rato grande e ruivo morto e com sua patas esmagas. Ela fecha os olhos com força, sua respiração acelera. Mas neste breve enfrentamento com o rato morto, ela encontra forças para abrir os olhos e  continuar vivendo.


Aqui acontece a quebra , surge uma indignação contra Deus. Sua brutalidade mostrando -lhe o rato esmagado.
Ela decide que irá de alguma forma contar para todo o mundo o que aconteceu e a atitude deste Deus que não aceitou ser amado por ela. Com toda a convicção iria lhe estragar a reputação.


Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado podia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só



Este conto fala de muitas coisas, sobre amar ser algo difícil, sobre Deus possivelmente ser uma ideia humana (espero pessoalmente que isso não seja verdade) e que cada pessoa cria seu Deus de forma conveniente à sua natureza.



Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe


Talvez uma citação de Nietzsche caiba aqui



Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos!” (Gaia Ciência - Nietzsche)



Fica como indicação de leitura este livro do Bigodão. 





Leia as impressões da Silvia sobre este conto - No Reflexões de Silvia




*Este conto pertence ao livro - Felicidade Clandestina





Clarice Lispector - Todos os Contos
       Editora Rocco - Capa Dura - 656 Pgs
        Organizado por Benjamin Moser

                   
                    Marcia Cogitare






11 comentários:

  1. Marcia!
    O que acho mais fenomenal na Clarice, é a forma como ela traz o trivial, algo que poderia ser simples e do cotidiano e nos põe a pensar, a filosofar sobre as determinadas situações, fantástica!
    “A sabedoria começa na reflexão.” (Sócrates)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP COMENTARISTA ABRIL especial de aniversário, serão 6 ganhadores, não fique de fora!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Rudy, concordo plenamente contigo. O simples e trivial acaba por se transformar em algo que merece nossa atenção.

      Hug :D

      Excluir
  2. Oi Márcia, Clarice sempre polêmica, esse conto com certeza deve ter causado um barulho quando foi publicado. Eu acredito muito em Deus e para mim não é como se cada um criasse Deus segundo sua natureza mas sim como se o olhar que lançamos para observá-lo mudasse, precisamos tentar aproximar o divino das nossas certezas pessoais para justificar nossas ações. Lembro que Baudelaire falava que o homem tem em si a concepção de Deus e do diabo onde a primeira representaria o desejo de elevação e a segunda os erros e a parte até animalesca, acho que é sobre essas visões mais pessoais que erramos, nelas queremos "moldar" a natureza divina.
    Porém, claro que essa já é uma opinião muito parcial já que eu acredito plenamente em Deus kkk.
    Beijinhos

    Ps: Adorei o quote de Nietzsche, nunca li Gaia Ciência, fiquei com vontade. É melhor que Crepúsculo dos Ídolos (meu favorito dele até o momento)?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nunca li Baudelaire e minha primeira impressão sobre o que vc escreveu, me pareceu uma visão simplista sobre Deus e a natureza humana. Eu teria que ler o cara pra ver se não estou equivocada com este trecho citado.

      Crepúsculo do ídolos é divertidíssimo. Já Gaia ciência é bem mais moroso e quem for lê lo, tem que ter paciência.

      Meu livro favorito do Bigodão é Assim falava Zaratustra, este ele mesmo considerou a sua principal obra.

      Hug :D

      Excluir
  3. Olá, a autora quis implicitar que a ideia de uma divindade é subjetiva e singular para cada um por meio de um conto reflexivo. Beijos.

    ResponderExcluir
  4. Olá.
    Estou com muita vontade de ler esse livro! Esses contos são tão profundos e com uma escrita audaciosa e reflexiva. Na lista.
    Beijos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Márcia, o que posso dizer?.
      Me sinto realizada como resenhista quando mexo na lista de leitura de vocês.

      Clarice a gente lê pra vida.

      Hug :D

      Excluir
  5. Oi, Marcia!!
    Estou fascinada por esse livro da Clarice!! Tenho que ler esses contos com calma e degustar a escrita dessa autora!!
    Beijoss

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Marta, vc falou a palavra certa - DEGUSTAR. Clarice a gente degusta com dor e alegria.

      Hug :D

      Excluir
  6. Oi!
    Acho incrível as reflexões que a Clarice Lispector consegue fazer a partir de temas tão banais de nosso cotidiano e ela acaba dando um significado totalmente novo e nos fazendo refletir !!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Suzana, também admiro as banalidades e as reflexões em Clarice.

      :D

      Excluir
:) :( ;) :D :-/ :P :-O X( :7 B-) :-S :(( :)) :| :-B ~X( L-) (:| =D7 @-) :-w 7:P \m/ :-q :-bd

Vai ser muito bom saber o que você achou dessa postagem!
Opine!